O olhar linear e o olhar pictórico
- Hugo Francisco Ramos Nogueira
- 25 de fev. de 2019
- 4 min de leitura
Wölfflin é uma introdução indispensável à história da arte, segundo Read, foi ele quem transformou a crítica de arte em uma ciência. Jacob Burckhardt, a quem Wölfflin sucedeu na cadeira de história da arte da Universidade de Basle, era um grande historiador, mas mesmo os críticos mais ferrenhos de Wölfflin como Paul Frankl, concordam que o seu livro “Princípios fundamentais da história da arte” deu à disciplina um novo ponto de partida. Wölfflin, embora fruto do círculo de Burckhardt, veio a preencher as lacunas que este deixou porque foi capaz de superar seus preconceitos pessoais, empreendendo o estudo formal da obra, para ele, “a forma organiza a obra de arte e lhe dá sentido”. Para introduzir o estudo formal da obra de arte, Wölfflin, em primeiro lugar, manteve seu olhar fixo na obra de arte e só então, ele iniciou a análise do que viu e classificou os resultados dessa análise visual.
O primeiro significado de olhar na estrutura do pensamento de Wölfflin é o de olhar no sentido mais simples, como em um curso de desenho de observação, mas logo a seguir, olhar tem o significado de modo de ver. A proposta do seu livro “Princípios fundamentais da história da arte” é, segundo ele, conferir à história da arte uma base mais sólida, através de uma história do modo de ver ou do olhar, que para ele é a própria “história do pensamento humano”. Wölfflin defende que “o tipo de visão, ou digamos da concepção visual não é o mesmo desde os primórdios; à semelhança do que ocorre com todas as coisas vivas, ele também possui a sua evolução... Assim... conhecemos tipos de visão antigos e imaturos”. O olhar, portanto, modifica-se ao longo do tempo e a preocupação de Wölfflin, era justamente a de estudar o caminho que o olhar percorreu. Segundo Wölfflin “sempre vemos as coisas do modo como as queremos ver”, ele queria saber “até que ponto esse querer do homem está subordinado a uma certa necessidade”, mas sem extrapolar o elemento artístico em direção ao complexo da realidade histórica, o que segundo ele, “adentraria os domínios da metafísica”.
Wölfflin adverte que essa questão, de “saber em que medida cada um (dos) antigos produtos do modo de ver foram levados para um novo período estilístico somente (pode) ser esclarecida através de pesquisas minuciosas (porque) novas concepções primitivas na pintura...podem coexistir...com manifestações epígonas ...até que tudo seja reduzido a um denominador comum óptico”. Não estamos diante de um olhar, mas de vários, o olhar muda ao longo do tempo e de um lugar para outro. Todavia, é o conjunto de elementos comuns desses olhares que Wölfflin pretendia estudar, porque só assim poderia haver um método, leis, uma ciência. Segundo Wölfflin: “Nem tudo é possível em todas as épocas e determinados pensamentos só podem emergir em determinados estágios da evolução”. Para ele, essa história da “visão em si (era) a primeira tarefa da história da arte”. Era preciso investigar as possibilidades visuais a que todo artista se acha ligado, revelar as camadas visuais. Segundo Wölfflin é “possível vislumbrar-se uma história da evolução do modo de ver do Ocidente para a qual a diversidade do caráter individual e nacional não é de importância decisiva..., mas não é fácil desvendar essa evolução interna do modo de ver, pois as possibilidades de representação de uma época nunca se revelam em estado de pureza abstrata”. Para dar conta disto, Wölffllin formulou o par de conceitos linear e pictórico, onde cada um consiste em um olhar, do qual “os artistas mais heterogêneos podem participar, pois... não lhes impõe uma determinada forma de expressão”. O linear e o pictórico “são duas visões de mundo orientadas de forma diversa quanto ao gosto e interesse pelo mundo, não obstante cada uma delas é capaz de oferecer uma imagem perfeita do visível”.
O linear “vê em linhas... Ver de forma linear significa então procurar o sentido e a beleza do objeto primeiramente no contorno... significa ainda que os olhos são conduzidos ao longo dos limites das formas e induzidos a tatear as margens... A visão linear distingue nitidamente uma forma de outra”. Esse tipo de olhar produz uma pintura onde “na representação de uma estante de livros (é como se o artista) quisesse pintar livro por livro, cada um clara e nitidamente delineado”. Já o pictórico “stands for... depreciation and gradual obliteration of line (outline and tangible surfaces) and for the merging of these in a shifting semblance of things – it is an attempt to represent the vague and impalpable essence of things”. O olhar pictórico está treinado para “a percepção global da aparência na qual o objeto isolado não mais possui qualquer significado essencial”. Esse tipo de olhar produz uma pintura onde “é como se as luzes e sombras estabelecessem entre si um contato mais vivo e nesses efeitos os olhos aprenderam pela primeira vez a se confiarem à aparência e finalmente a aceitarem para a forma em si um desenho absolutamente estranho a ela”. Segundo Peixoto, o pictórico se caracteriza “pela substituição das linhas e contornos por um efeito de massas. Tudo se mescla numa trama de linhas que não obedecem a nenhum limite. Os objetos são vistos como manchas. Destaca-se mais a vibração do conjunto do que o perfil de cada coisa. A base da impressão pictórica reside na emancipação da luz – e das sombras – como uma grandeza incomensurável”. Segundo Wölfflin houve uma evolução do linear para o pictórico, “uma modificação radical no modo de se verem as coisas...que distingue claramente a arte do século XVII da arte do século XVI”.
Referências
Barral I Altet, Xavier. História da arte. Campinas: Papirus, 1990.
Peixoto, Nelson. Imagem Máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
Wölfflin, Heinrich. Classic Art. London: Phaidon, 1952.
________. Conceitos fundamentais da história da arte: o problema da evolução dos estilos na arte mais recente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

Comentários